Se confinarmos toda a História do Planeta Terra a apenas 24 horas, o Homem surge no último segundo. É isso mesmo, este exercício de compressão temporal ilustra bem o quão tarde eu e o leitor chegámos para a festa. Mas nada tema, que dá tempo para fazer coisas giras. Assim de repente, proferir palavrões com a ferocidade de um leão e alterar por completo o nosso estado de espírito porque 11 marmanjos não ouviram as nossas indicações bramidas em pleno sofá parece uma dessas coisas giras. Estando a bicada dada, surge a questão; como é que a humanidade não se esfolou viva durante o tal segundo que mencionei, ao possuir um pavio tão curto? Na verdade, bem que tentámos.
Se, atualmente, o acesso a informação (in)útil está à distância de 1 swipe e 2 cliques, outrora não era assim. O pobre do Adão não teve hipótese de tweetar ‘Malta, rebentou aqui uma fomeca à Eva e a marota papou um fruto que não devia. Digam aí sugestões sobre como esconder isto do Criador #DeusNoComando’. A resiliência da espécie humana advém, portanto, de milénios de experiência condensados em provérbios. Assim, a sabedoria popular era - e ainda é - transmitida de geração em geração. Desde o Homo Erectus até à sua tia igualmente peluda, passando pelo D. Afonso Henriques e o PM António Costa e não esquecendo o Thomas Edison e o Goucha, todos sabem que não adianta lamentar a morte da bezerra. Deduz-se então que, em algum momento, um coitado pioneiro qualquer passou pelos 5 estados de tristeza enquanto lamentava o esticanço do pernil por parte de uma bezerra (que, por razões óbvias, seria igualmente coitada), apenas para constatar que não valia a pena lamentar o batimento de botas da bicha. No entanto, os filhos do coitado jamais viriam a rebentar o saco lacrimal por futuros perecimentos de bezerras, garantindo inclusive a extrapolação do significado da expressão para outros aspetos do quotidiano.
Todavia, nem toda a sabedoria popular resiste à passagem do tempo airosamente. Cheguei a ouvir que ‘a laranja de manhã é de ouro, à tarde é prata e à noite mata’. Imediatamente, o ceticismo apoderou-se de mim e suscitou várias questões. A que horas é que, efetivamente, a laranja mata? Estou safo a saborear um gomo às 19h00, mas às 20h00 já fui com os pitos? Será a laranja uma superfruta consciente dos fusos horários? A minha imaginação fértil concebeu um cenário semi-vampírico em que, após o último raio de sol desaparecer, as laranjas viravam assassinas profissionais e trabalhavam a recibos verdes.
Uma rápida pesquisa no Google (daquelas pesquisas que Adão não conseguia fazer), permite perceber que as únicas vítimas noturnas das laranjas são as que se engasgavam com os caroços. Apresentei estes argumentos aos meus progenitores para provar a inocência das laranjinhas, mas o que é certo é que este fruto continua a surgir apenas durante o almoço. Todas a gerações originais são mais teimosas que as gerações subsequentes. Por outras palavras, quando os nossos progenitores atualizam o Windows, é a Microsoft que tem de aceitar os seus termos e condições. Porém, ainda existe tempo dentro do tal ínfimo segundo cósmico para nos vermos a nós nesse mesmo papel no ciclo da vida. Não o desperdicemos.