A cerimónia dos Óscares de 2022 foi muito peculiar. Poucas pessoas se recordam que ‘Coda’ recebeu a estatueta de melhor filme, mas todos nos lembramos da mítica chapada. O funcionamento do cérebro humano é curioso, não é? Não obstante, a sequência dos acontecimentos foi a seguinte: Chris Rock faz uma piada (por sinal, fraquita), Will Smith ri-se da piada, Will Smith zanga-se com a piada, Will Smith desloca-se ao palco e dá uma chapada a Chris Rock (por sinal, fortezita), Will Smith regressa ao seu lugar gritando palavrões e Will Smith chora a fazer o seu discurso de aceitação do prémio. Dada a vastidão do leque de emoções demonstrado, é inegável que o Óscar foi merecido. A 94.ª edição dos Óscares ficou, deste modo, marcada por uma chapada. A cara de Chris Rock também.
Face ao fenómeno de violência sem precedentes, a Academia tomou precauções para a 95ª cerimónia, criando uma task force de intervenção denominada “Equipa de Crise”. Com este nome, deduzo que, ao mínimo prenúncio de que uma chapada esteja no limiar da ocorrência, Tom Cruise descerá do teto em rapel para a impedir. É o que a lógica dita.
Mudemos o nosso foco para a celebração da arte em si (não em mim nem em ti, mas em si). No que respeita às produções cinematográficas nomeadas para melhor filme, confesso que não vi todas. Opinarei na mesma, no entanto. O que me torna apto para opinar, então? Aparentemente, tudo; uma votante da academia revelou que optou por não assistir ao ‘Triângulo da Tristeza’ porque, e passo a citar, lhe “parecia muito triste”. Argumentar contra este nível de perspicácia é uma tarefa herculeana.
‘Avatar: O Caminho da Água’ é o regresso de James Cameron a Pandora com uma injeção extra de fotorrealismo. Isto é apenas jargão para enfatizar que os aliens azuis parecem extra genuínos enquanto chapinham na água durante 192 minutos. A julgar pela massiva bilheteira faturada, duvido que haja alguém a dizer que Na’Viu a sequela do filme de 2009.
‘A Oeste Nada de Novo’ é aquele filme de guerra clássico que tem de constar numa lista de nomeações, por uma questão de princípio. Nada de novo aqui também. O filme está disponível na Netflix e isso é útil para as 7 pessoas que ainda conseguem aceder à conta partilhada com o ex-vizinho.
‘Os Espíritos de Inisherin’ foi realizado por Martin McDonagh, o mesmo senhor por detrás de “Três Cartazes à Beira da Estrada”. O filme retrata o complexo processo de perda de uma amizade. Recomendo a visualização do mesmo com o amigo chato do grupo que chega sempre atrasado aos convívios, de modo a mandar a dica para o seu subconsciente.
‘Tár’ reforça a noção de que a representação de Cate Blanchett é uma força da natureza, ‘A Voz das Mulheres’ é o tipo de filme que colocava Harvey Weinstein nervoso e ‘Elvis’ debruça-se sobre a vida da lenda do Rock & Roll através dos olhos do seu agente. Dada a postura semi corcunda do ator principal, fico desapontado por nunca o terem chamado de Pelvis Presley.
‘Os Fabelmans’ baseia-se vagamente na infância do grande cineasta Steven Spielberg. E quem melhor para fazer um filme sobre o grande cineasta Steven Spielberg do que o próprio grande cineasta Steven Spielberg? É um conceito que pode parecer presunçoso na teoria, mas é simplesmente inspirador na prática.
‘Top Gun: Maverick’ trouxe uma geração inteira de volta ao grande ecrã. A expectativa para saber se Tom Cruise ainda tinha pinta com óculos de sol era incomensurável. E perdoem-me o spoiler, mas ele tinha. Colocaram-se câmaras dentro do cockpit dos aviões pilotados pelos atores e o resultado foi fenomenal. Quase tão fenomenal como o modo como Tom Cruise encontra sempre forma de correr nos filmes, desde 1981.
‘Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo’ é o cuidadoso critério que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa utiliza para decidir a frequência das suas intervenções no espaço público. É também o filme que acredito que irá vencer, pois representa o compromisso entre a sobriedade da academia e a irreverência da audiência. É um filme repleto de ação e momentos cómicos, mas com um fio emocional central que envolve a narrativa cirurgicamente.
Não podia encerrar esta crónica sem salientar o feito de João Gonzalez, que tem ‘Ice Merchants’ nomeado para melhor curta-metragem de animação. Mais um português a fazer história por mares nunca dantes navegados. Caso vença, deixará uma marca bem mais agradável do que a chapada de outrora.