Cristina Talks, Quando Cristina Devia Dar à Sola

Cristina Talks, Quando Cristina Devia Dar à Sola

Não é que agora eu seja velho, mas a verdade é que já fui mais novo. E nessa altura, quando era bem novinho, lembro-me de passar dias gigantes em casa dos meus avós. O dia iniciava-se com um autêntico tijolo de papas Cerelac a servir de pequeno-almoço. A métrica que permitia averiguar se a consistência das papas estava a desejável era enfiar uma colher, ao alto e no centro, e garantir que a mesma assim permanecia. No exato momento que precedia a última colherada, eu era interrompido por um guincho esganiçado. Lá estava ela, era a Cristina Ferreira, em plena TVI, a gritar “ESTÁ CEEERTOOOOOO!”.

Anos mais tarde, a Cristina evoluiu muito. Está mais sofisticada e polidinha. Ela até foi à WebSummit ensinar a conjugar o verbo to be, a safadona. Recentemente, a Tininha da Malveira inspirou o país com um evento denominado Cristina Talks. De que se trata o Cristina Talks? Ah, estava a ver que o leitor não fazia a pergunta que se exige. Nada tema, eu esclareço. Cristina Talks é a maior convenção no âmbito da preservação do ambiente. No Cristina Talks, reciclam-se posts pseudo-motivacionais do Facebook de 2013 e reutilizam-se frases feitas e bafientas. Por apenas 19 euros, a audiência do Cristina Talks teve acesso a uma mistela de filosofia barata misturada com semi-verdades evidentes que provavelmente já conhecia. Trata-se, na realidade, de uma nhanha farinhenta. Faz lembrar as papas Cerelac, mas deixa uma sensação mais vazia após consumo.

Há uma altura em que a Cristina olha para a plateia e diz que nós temos de acreditar em nós mesmos. É uma frase clássica de life coach. Todos os indíviduos que speakam inspiracionalmente sabem que é mais fácil o pessoal acreditar em si mesmo do que acreditar no que o próprio speaker motivacional está a pregar. Para além disso, motivar a malta é o mínimo, não? Sinto que se a Cristina chegasse ao Altice Arena e gritasse: “Duvida de ti, maluco!”, não teria a mesma adesão. Estaria, inclusive, a ser coach desmotivacional.

O meu momento favorito desta parolice disfarçada de ato nobre foi quando a Cristina mostrou uns sapatos com um ar muito solene. Parecia que estava a apresentar o Simba do Rei Leão. Ela regozijou-se com o facto dos seus sapatos terem custado mais do que o salário da maioria dos presentes. Automaticamente e um por um, os presentes pousaram o olhar sobre as suas chanatas e sandálias da feira, ficando assolados pelo mais puro sentimento de motivação imaginável. Eles sabiam perfeitamente que 1 par de sapatos Louboutin inflacionado vale mais que 20 Crocs rafeiros do Lidl. E a Tininha sabe que a melhor forma de incentivar pobres é extorqui-los e humilhá-los. Dica extra: este plano apenas funciona se colocado em prática pela ordem descrita.  

A Tina Ferreira acrescenta ainda que viu uma fotografia de Nossa Senhora nos seus sapatos, declarando que é um sinal divino. Discordo. Isto indica é um sinal de desarrumação. Para além disso, sou do tempo em que Nossa Senhora aparecia a fazer cucu atrás das árvores aos pastorinhos. Querem agora que acredite que Nossa Senhora ia gastar nova aparição nos sapatos de uma apresentadora de televisão, também ela já gasta? Sou cético.

A vergonha alheia do Cristina Talks não alcançou o seu fim sem a Cristina chamar a palco o presidente da câmara de Lisboa Carlos Moedas, introduzindo-o como “o menino Carlos”. Nunca me senti tão Gepetto para com estes Pinóquios. Também nunca me apeteceu tanto lavar os olhos com lixívia. É a vida. Já que a Cristina Ferreira vai fazer digressão do Cristina Talks, sugiro a alteração do nome do evento para o factual Cristina Shouts ou o esperançoso Cristina Speechless. É-me indiferente, não estou assim tão interessado nisto.

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