Doha a Quem Doer, O Mundial 2022 é no Qatar

Doha a Quem Doer, O Mundial 2022 é no Qatar

Em 2010, o Comité Executivo da FIFA decidiu que o Mundial de futebol de 2022 seria disputado no Qatar. No início, a indignação foi parca e diminuta. Hoje, a indignação é vasta e contagiante. Talvez o facto de mais de 6500 trabalhadores explorados terem morrido durante a construção dos estádios possa constituir um fator para esta inflação de indignação. Não sei, digo eu. E já agora, ‘inflação’ parece-me um termo espantosamente adequado para discutir este assunto, pois é graças aos trocos catarenses que a final da competição terá lugar em Doha, capital do país organizador. Mas esperem aí… Penalty! É grande penalidade e o Ronaldo vai marcar! Aí vai ele, qual macho alfa galopante… GOOOOLO! É golo!

Onde é que eu ia? Ah, sim… Doha a quem doer, o Mundial é no Qatar e não há muito a fazer em relação a isso. Quiçá fosse agradável o Qatar acatar que isto dos direitos humanos até é importante. Mas eles também já têm tanto com que se catar, coitados. Conseguem imaginar os níveis incomensuráveis de stress que um agente de autoridade de lá experiencia, por exemplo? Sempre ali de olhos arregalados a ver se existem infrações a serem cometidas e tal. É que no Qatar, ações banais como um homem maroto dar a mão a outro homem igualmente maroto são ilegais. Quem diria que proibir comportamentos e restringir liberdades implicava um maior trabalho de papelada? Parece um preenchimento burocrático bem fastidioso. Deixo aqui uma nota curiosa: é possível designar o país anfitrião do mundial como Qatar, Katar ou Catar. Assim, a grafia deste país goza de mais liberdade do que as mulheres desse mesmo país.

Ilegalizar algo não faz com que esse algo deixe de ocorrer. Se assim fosse, eu propunha ilegalizar as doenças ou, mais apropriadamente, a estupidez. Se calhar quem se deve ir mesmo catar sou eu, em vez de estar a refletir sobre o dilema de ser tolerante com a intolerância. Mas aguentem aí… Que cruzamento perigosíssimo! Uma combinação mágica que merecia arremesso lateral! Foi pena.

Enfim. Ora bem… Quando o atual presidente da FIFA, Gianni Infantino, informou que se sentia gay, rapidamente acrescentou que também se sentia árabe. Esta última declaração é fulcral para a paz da sua permanência no Qatar, porque nos informa que a primeira é falsa e permite a Gianni escapar incólume a qualquer tipo de investigação catarense sobre os seus hipotéticos sentimentos homossexuais. É óbvio que este senhor com cara de ovo cozido super branquinho não pode ser árabe, pelo que a lógica dita que também terá aldrabado a parte de se sentir gay.

Entretanto, Marcelo Rebelo de Sousa desmarca-se e está isolado frente à baliza. Prepara-se para rematar e afirma algo deste género: “isto dos direitos humanos no Qatar é duvidoso e meio chato, mas agora o que importa é ganhar um caneco, malucos!”. O público nas bancadas apupa o Presidente da República. Porém, Marcelo é um jogador polivalente e persistente. Faz novo discurso, criticando e apontando falhas ao regime do país organizador. Marcelo recupera assim a posse de bola. Eis senão quando, o Qatar coloca Portugal na sua lista negra. Marcelo recebe, deste modo, o cartão vermelho da diplomacia. Não há nada mais português do que isto. Boicotamos sem boicotar efetivamente e somos punidos à mesma. É proibido e deixa-se acontecer. Há que denunciar as violações dos direitos humanos, mas com alguma calminha. Coloquemos de parte a questão dos direitos humanos. Apoiemos a seleção. Mas sem esquecer os direitos humanos. Vamos a prolongamento. Mas o que são os direitos humanos? Foi golo. Serão humanos que não são tortos? Estamos na final e vencemos um caneco. Isto dos direitos humanos também foi um exagero, não?

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