Esta semana, a Netflix anunciou o fim das partilhas de conta. E fê-lo alegando que tem existido confusão acerca do uso correto de uma conta Netflix. Aparentemente, partilhar conta com um amigo residente nos Açores que ordenha vacas felizes como sustento e que já não se lembra, sequer, que é apenas ele quem paga a conta, não constitui um uso apropriado de uma conta Netflix. Vá-se lá saber porquê. Mas suspeito que tenha algo a ver com as contas ao final do mês.
Surpreendentemente ou não, ao longo do tempo, o Twitter oficial da Netflix foi escrevendo, repetidamente, que “o verdadeiro amor é a partilha da palavra-chave”. Ao contrário do vinho que o estagiário consumia ao digitar, os tweets envelheceram mal. Bem sei que o que é despejado na rede do pássaro azul é efémero, mas dói na mesma. A ilusão não era só no uso dos efeitos especiais, caro leitor. A ilusão também saltou do ecrã verde e intrometeu-se naquilo que outrora era uma relação de confiança entre utilizadores e Netflix. Os utilizadores usufruíam dos conteúdos à balda e a Netflix confiava cegamente que os utilizadores não andavam a traí-la com a Disney Plus. E as coisas funcionavam (pensávamos nós, ingenuamente).
Desta forma cruelmente fria e em plenas vésperas de Dia de São Valentim, a Netflix rompeu com a tal relação. Conseguiu economizar despesas ao esquivar-se da obrigação não contratualizada de ter de nos oferecer uma prenda. O meu amigo Camões dizia que o amor é fogo que arde sem se ver. Em tempos, eu propus que o amor é fogo que arde e tu a ver. Mas tu agora nem vês. Aliás, agora ninguém vê. Está tudo a cancelar a conta. Era um autêntico visionário, o poeta cegueta de apenas um olho.
A gigante do streaming ditou que a cada conta Netflix apenas pode corresponder uma residência. A empresa demonstrou benevolência, no entanto; é permitida a partilha entre pessoas de locais distintos, desde que regressem à habitação predefinida e façam login com o seu dispositivo 1 vez a cada 30 dias. Há quem identifique a distopia de 1984 de George Orwell nisto. Eu, pessoalmente, infiro que a Netflix virou uma ex-namorada controladora que exige saber a nossa localização.
O conceito de ter 4 ecrãs disponíveis torna-se obsoleta, a não ser que estejamos a viver num casarão e a família tenha gostos vastamente diferentes. Porém, considero-me o eterno otimista, ainda que não me prenda com o debate do copo meio cheio ou meio vazio; simplesmente bebo, se tiver sede. Ponto final. E como eterno otimista, reconheço que nem tudo é terrível. Com estas medidas, a Netflix promove uma boa relação familiar. Se os filhotes quiserem continuar a ver Sex Education, terão de regressar ao ninho com frequência. O controlo parental sai assim reforçado. Para além disso, também se acabam com os parasitas que andam a ver séries sem os titulares da conta suspeitarem. Num facto não relacionado, encontro-me com vontade de retomar contacto com o meu amigo dos Açores.
Confesso que já vi coisas mais estranhas, mas não esperava que a coroa do entretenimento se desfizesse a meio de uma Quarta-Feira. O que outrora foi um império que Pablo Escobar nem sonharia, revelou-se uma casa de papel. E agora desmorona-se como se de cartas fosse feita. Sem chill.
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