O dilema da tolerância é fascinante. Deve a sociedade tolerar posições intolerantes? Confesso que ainda não sei. Peço ao leitor que me deixe escrever esta crónica e já respondo. Na sequência de vários posts de teor muito questionável no Facebook, um docente do Departamento de Física (dfis) da Universidade de Aveiro surge em plena TVI assumindo-se como homofóbico. Mas atenção, assume-se com uma pinta descomunal. O docente, de seu nome Paulo Lopes, afirma à jornalista que é obviamente homofóbico, mas recusa com ligeira hesitação ser categorizado como racista. E fá-lo com um tom equivalente a uma criança revelar que não gosta de arroz, mas batatas até nem se importa.
Ora, mas o que consta ao certo na conta pública de Facebook de Paulo? Um rápido scroll permite encontrar uma miríade de posts abjetos que assentam em discurso discriminatório, predominantemente contra a comunidade LGBTQIA+. Tanta raiva que Paulo tem dentro de si faz-me pensar que talvez o docente esteja triste, a viver num mundo a preto e branco. Tenho empatia por Paulo, pois o desejo de uma “Inquisição para limpar este lixo humano” apenas faz sentido no mundo monocromático de 1536. Denoto também uma exaltação a Putin, sendo descrito como “O Grande”. Registo que me parece curioso ser-se homofóbico e demonstrar tanta admiração e obsessão por outro homem.
Aproveito para informar que os estudantes espalharam a icónica bandeira arco-íris pelo dfis, o que levou a que o diretor ordenasse de imediato a sua retirada. É de louvar a velocidade com que a UA trata estes assuntos sensíveis. Por exemplo, os estudantes denunciaram esta situação da verborreia online de Paulo há mais de um ano, e a UA foi célere no seu tratamento de dados: abriu e arquivou um processo à velocidade da luz. Tanto a UA como Paulo mencionam a liberdade de expressão, aludindo que, essencialmente, a vida privada não interfere com a vida profissional. Quase como se o Paulo pré-entrada-na-sala-de-aula experienciasse instantaneamente uma mudança estilo Querido, Mudei a Casa a nível cerebral e o Paulo pós-entrada-na-sala-de-aula fosse livre de qualquer preconceito. Proponho o seguinte exercício: imaginar o docente a saltitar entre a ombreira da porta, mudando de personalidade, qual jovem a oscilar entre as fronteiras de 2 países. Já que falei em casa, na minha mente, o domicílio de Paulo é peculiar. A roupa está toda no chão, pois ele baniu os armários com o justificável receio de ter de entrar para procurar algo e, inevitavelmente, sair. Os únicos televisores são da Sony, pois Paulo odeia os da LG TV. Paulo fica tenso sempre que chove, não vá a luz solar refratar-se nas gotas de água. Enfim.
No resto da entrevista, o docente da UA refere ainda que já foi assediado pelos “LGBTs, pedófilos e assassinos em série”. Intuitivamente, fiquei cético porque, por um lado, Paulo não se encontra na gama de idades que os pedófilos procuram e também porque, sendo Paulo professor de física, os assassinos talvez fossem em paralelo.
Toda esta situação é profundamente bizarra e já que os estudantes aguentam com tantos professores que ensinam mal, ao menos que tenham caráter exemplar. O dfis é emblemático, entre outras coisas, pela sua belíssima máquina de café; como tal, sugiro a Paulo que vá lá não só aumentar os níveis de cafeína, como também roubar o filtro (bem precisa). Quanto à questão inicial, sou um acérrimo defensor da liberdade de expressão (foi o que me permitiu escrever este maravilhoso textinho). A diferença está na intenção subjacente às palavras proferidas. É útil ouvir disparates para poder identificar quem os profere e deixá-los a falar sozinhos. No que respeita ao hipotético despedimento do docente, deixo aqui a dica em termos físicos:
Parece-me que Paulo ficou estagnado no tempo, recusando-se a evoluir; e quando o deslocamento é zero, não há trabalho. 😉